quinta-feira, 3 de novembro de 2011

E rasgou-se-me a alma num banco de escola.

A primeira vez que o vi tinha ele 5 anos... franzino, de olhos muito grandes, trazia sempre a boca enfarinhada por causa do pão que comia ao pequeno-almoço. Gostava que lhe abreviasse o nome, não porque não o apreciasse, mas sim porque o considerava grande: Leonardo. - O Leo, para mim e para os amigos e as amigas. Falava muito, adorava jogar à bola e acendia a sala sempre que sorria!

O Leo estava entregue aos cuidados de uma tia, que a mãe tinha ido trabalhar para a Suiça a ver se ganhava mais dinheiro... "tostões" como ele me segredava sempre que me roubava um colo apertado, com beijinhos e festas. Os olhos enormes por vezes inundavam-se de água e afogavam o meu nó na garganta, de tal forma, que o meu coração trepava até à boca e explodia em beijos no Leonardo, prometendo-lhe muitos carinhos e atenção. Eram as saudades... essas malditas.

Um dia a mãe do Leonardo voltou e entre soluços prometeu-me que nunca mais ia para longe trabalhar, que não fazia tão mais dinheiro que se justificasse a distância do seu menino. Assim foi. Quem se afastou fui eu... que o meu caminho foi sendo traçado noutras paragens e o Leo fui vendo em visitas fugazes à sua escola.

Este ano voltei.

Hoje, bateram-me à porta e ouvi perguntar, "professora, posso entrar...venho para o apoio ao estudo...". Era o Leo, agora com dez anos... os mesmos olhos grandes, o mesmo sorriso encantador, o mesmo carinho na voz. Agora quer ser o Leonardo, coisa de rapaz crescido, agora sabe tomar conta de si.

Falámos um pouco, perguntei-lhe pelos resultados escolares, pela forma como se sentia, pela mãe... - o olhar perdeu o brilho e sussurrou-me que a mãe estava muito doente, cancro da mama... mas que ele acreditava ser possível, "não é professora? Tu acreditas como eu, não é?". Não reagi... Voltou o nó na garganta e a revolta com a situação injusta. E ele continuou o seu trabalho enquanto lhe fazia festas no cabelo e nas costas, pesando sobre mim toda a impotência do mundo, a culpa do silêncio e um remoinho de ansiedade que teimava em crescer.

Acabou o estudo e declarou: "Não te canses muito comigo professora, eu faço sempre os trabalhos e só o que não souber mesmo... é que te peço ajuda. Mas sabes, os teus beijinhos...quero-os todos os dias. Como antes, lembras-te?" - e rasgou-se-me a alma.

Lembro.

(Ao Leo e à sua linda mãe... MUITA FORÇA. Eu estarei sempre aí... desse lado da chuva.)

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