sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

...não sou um terror, pois não?...

Hoje chegou um miúdo novo... 

Desde o início da semana que ouvia falar dele - que era um vândalo, que na outra escola se enfiava debaixo das cadeiras e uivava, que dizia palavrões inimagináveis (apesar de não saber bem o que isso quererá dizer, parece-me aliciante e intimidatório!), que batia na professora, nos colegas, nas auxiliares de acção educativa.

Primeiro ano...que no final do primeiro período é transferido de escola alterando toda a dinâmica social e escolar do miúdo. Para se tomar uma medida destas, pensei, deverá ser porque o miúdo será, MESMO, um terror.

Hoje chegou um miúdo novo que, como qualquer outro miúdo se misturou na confusão orientada do recreio, dos lanches, da emoção da novidade, das regras de novas salas, novas caras, novos sorrisos.

Não o distinguia entre os demais, tal não era o usual bulício que caracteriza o momento de desforra, de suor, brincadeiras e gritaria, na hora do intervalo.

Fui para a minha sala, para o meu reino e a porta abriu-se a medo. Pensei... "aqui vem ele, Andrea, assume o teu ar nº31, não sorrias...". E o mundo desabou.

Com pouco mais de 1,30m, o monstro (como já havia ouvido) o Miguel sorriu-me com a cara mais bolachuda e redonda que já vi, e com umas "orelhas de abano", uns óculos redondos que escondem uns enormes e pestanudos olhos castanhos, com as suas sapudas mãos, abraçou-me e disse:
- Professora, vais ensinar-me a ler, não é? 

Que sim, mas que ele teria de fazer um esforço de gigante para se concentrar, trabalhar, ouvir e falar nas alturas certas, se havia compreendido?
- Sim... que esta escola é para os meninos grandes e eu quero ser grande como eles.

E ali estive...animadíssima, e ele comigo. Meigo, afável, simpático, brincalhão, respeitador. Sem qualquer problema cognitivo, apreendeu muito bem os conceitos, as normas, o jeito delicioso de se ser encantador - criança. Pouco autónomo, é certo, muito curioso...carente o quanto baste.

- Pronto, Miguel...por hoje é tudo. Segunda-feira...continuamos e vamos ser os maiores, boa?

- Sim... mas, professora, podes dar-me um abraço?...É que eu não sou um terror, pois não...?

- Não, meu amor - escondi a emoção com o queixo apoiado na sua cabecita cheirosa - tu és especial.

Rasgou-me a alma, conquistou-me e sorriu.






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