terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mestre, e falares-me da saudade...?


Far-me-ás muita falta. Aquela falta que faz tudo o que é por demais importante para nós. O sorriso, a partilha, a cumplicidade. Coisas. Todas as que tínhamos só no olhar...outras que ficavam na lágrima presa pela emoção de conseguirmos sentir o peso das palavras do outro. Conhecermos o outro. Sabermos o outro. Lutas. Vitórias. Revoltas. Coisas nossas. Coisas que ousámos partilhar...ou simplesmente deixámos suspensas no fio de tudo o que se reconhece como verdade absoluta, indivisível, insubstituível, impronunciável.

Far-me-á muita falta o abraço e a forma como nos agarrávamos à vida. Às coisas boas da vida, à gargalhada solta, à tua voz e como ouvir-te poderia significar uma década de aventuras. Houvera tempo suficiente, que as horas galgavam espaços e correr-se-ia quase todos os assuntos. Velhos, recentes, gastos, renovados, cheios de vernáculo, de malícia, de humor revelado palmo a palmo. Assuntos e temas que viajavam ao sabor da música natural da cadência da palavra.

Far-me-á falta olhar-te e admirar-te como o pai atento que foste. Preocupado, sensível, humano, tolerante.

Far-me-á falta dizer-te da importância que tens para mim, do quanto te gosto, das saudades que sentia. Do teu silêncio. Do cheiro do teu charuto. Escrevi-te muitas vezes sobre o orgulho em ser tua amiga, em saber-te ao meu alcance, bebendo sempre da minha atenção.

Far-me-ás muita falta, Galiza...porque és único na tua forma de estar, de ser...porque nem sei se te escreva no presente ou no pretérito perfeito, ou no imperfeito...ou acredite simplesmente, para sempre, que estás aqui, a ler-me, a ouvir-me, a abraçar-me, a sussurrar-me todas as coisas do mundo que em amizade verdadeira se constroem...

Far-me-ás muita falta, mestre.
Até sempre.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

...sabia a frango assado...

Debaixo de chuva apetecia-me escrever-vos sobre o tema "Grândola Vila Morena"...sobre o peso da história, sobre a palavra rescrita na revolta das gentes. Mas não escreverei. Nem sobre esse maravilhoso tema do Zeca, nem sobre outro qualquer pingo de revolução que nos empurre para a inevitável reflexão em torno das políticas que se vêm assumindo, do estado social, da espiral recessiva..., da forma como se abandonaram os princípios norteadores definidos na declaração de Jacques Delors (1996), no âmbito do relatório para a UNESCO da Comissão internacional sobre Educação para o século XXI, intitulado: Educação, um Tesouro a Descobrir. Não vos vou chorar os quatro pilares para a educação, como se de ouro se tratassem...nem vou relembrar a importância de se compreender que NÃO É ESTA A EDUCAÇÃO QUE DEVERÍAMOS TER TRAZIDO para o novo milénio. Ainda assim...entre a força da água que a chuva arrasta brindo-vos com um tesouro.

"Andrea, dei um beijo na boca do meu namorado..." - e os meus olhos brilharam perante tal revelação! Como teria sido, tentei saber, sem que a Sofia se apercebesse o quão divertida estava eu.

"Sabia a frango assado! Porque ele não lavou os dentes e tem este" - abriu a boca e apontou para um molar - "a abanar!"

Ri-me perguntei-lhe se aquele seria o primeiro beijo...ou se era namorado único...que nestas idades os amores vêm e vão da mesma forma com que se acaba um pacote de pastilhas elásticas.

"Na boca é o primeiro...mas nunca fizemos...aquilo..."

Aquilo?!? Aquilo seria...exactamente o quê? Arrisquei...

"Então...aquilo o quê?"

"Aquilo que os mais velhos fazem...de se agarrarem contra a parede. nem sei se é o sexo...e não digas à minha mãe que te disse isto, mas sei que ficam uma data de tempo naquilo! Já vi a minha vizinha da frente. E isso, disse ao Rafael que não fazia. Mas ele também nem sabia o que é...coitado, não tem vizinhas malucas!" 

Acenei com a cabeça...e a minha gargalhada explodia...sem que o eco se fizesse sentir... e a Sofia rematou: "Agora vou brincar ao Mata...que a minha amiga quer andar com o Rafael...mas eu comprei-lhe um chocolate e ela disse que preferia muito mais! Oh...e eu também...que agora só volto a dar beijos na boca quando no refeitório for uma comida que eu goste muito!"

Deu-me um abraço lambuzado...rasgou-se-me um sorriso de luz e do alto dos seus sete anos vividos intensamente, reproduzindo modelos que ainda nem compreendeu...fugiu acenando.

E assim segue, silencioso, o currículo oculto no pátio da escola. Até que alguém o veja. Até que alguém o entenda. Até que alguém o legisle. 


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Diante dos nossos olhos...

O recreio costuma encher-se de brincadeiras várias. O barulho entra-se-nos alma dentro e lá permanece se quisermos ouvir com o coração os gritos da imaginação. 
As crianças vivem os seus pedaços de vida, minuto a minuto, e a cada passo arrastam a imaginação por entre saltos, gargalhadas, gritos, corridas, abraços e partilhas. Não entende cada coisa quem verdadeiramente quer, mas quem realmente pode...ou quem ainda consegue lembrar-se da magia de ser-se criança.

Deste lado da chuva costumo observar o momento do recreio...que me é oferecido, como se de um tesouro se tratasse. Costumo mesmo pensar que de um lado ficará a observação razoável de quem já palmilhou alguma vida e sobre a qual reflecte a todo o instante e, de outro, a capacidade de fantasiar em aberto, livre, despretensiosamente, vivendo castelos de sonhos, cavalgando nas costas de heróis, morrendo mil vezes, vivendo outras mil. Entre um e outro situa-se aquela a que chamo de zona de conforto, que me permite viajar sem ser vista, imaginar sem receios e esconder-me em refúgio reflexivo...tudo em meia hora de acontecimentos.


Hoje voltei a espreitar o recreio... Mas hoje estava cheio de alegria de adultos que brincavam com as crianças. E dançavam. E sorriam. E reconheciam-lhes a fantasia. Diante dos nossos olhos erguia-se um mundo colorido, magnífico, vivo, cheio!

Hoje é o momento em que os adultos conseguem ver tudo aquilo que as crianças imaginam durante o ano inteiro. Apenas porque hoje elas vêm cobertas de adereços que lhes limitam a imaginação, mas orientam cada "pessoa crescida", que com elas interage, no sentido de as reconhecer encarceradas na fantasia de todos os dias.

Hoje a Luana disse: "Vês professora Joaquina? Eu hoje sou a princesa do outro dia, aquela que te falei que andava a brincar ao faz-de-conta... Agora já sabes quem sou...". A "pessoa crescida" olhou, sorriu...e rematou a conversa alegando que "com este vestido já reconheço a princesa...que linda! Mas sem nada, não estava mesmo a ver...como querias que soubesse? Entendes?". A miúda olhou-a...e continuou a corrida entre a gritaria do pátio.

Eu...fechei a janela e pisquei-lhe o olho, num gesto de cumplicidade assinado para sempre...no preciso momento da passagem à fantasia de se ser, quem se quiser.

A eterna luta. De um lado a imaginação do tudo, com nada, do outro o entendimento do nada, com tudo.

Jean-Jacques Rousseau disse um dia que "a infância tem as suas próprias maneiras de ver, pensar e sentir. Nada mais insensato que pretender substituí-las pelas nossas." Antes compreendê-las, antes deixá-las existir, antes observá-las em silêncio. 

Tão somente...antes lembrar de como se apresentava o mundo, quando éramos crianças.