Debaixo de chuva apetecia-me escrever-vos sobre o tema "Grândola Vila Morena"...sobre o peso da história, sobre a palavra rescrita na revolta das gentes. Mas não escreverei. Nem sobre esse maravilhoso tema do Zeca, nem sobre outro qualquer pingo de revolução que nos empurre para a inevitável reflexão em torno das políticas que se vêm assumindo, do estado social, da espiral recessiva..., da forma como se abandonaram os princípios norteadores definidos na declaração de Jacques Delors (1996), no âmbito do relatório para a UNESCO da Comissão internacional sobre Educação para o século XXI, intitulado: Educação, um Tesouro a Descobrir. Não vos vou chorar os quatro pilares para a educação, como se de ouro se tratassem...nem vou relembrar a importância de se compreender que NÃO É ESTA A EDUCAÇÃO QUE DEVERÍAMOS TER TRAZIDO para o novo milénio. Ainda assim...entre a força da água que a chuva arrasta brindo-vos com um tesouro.
"Andrea, dei um beijo na boca do meu namorado..." - e os meus olhos brilharam perante tal revelação! Como teria sido, tentei saber, sem que a Sofia se apercebesse o quão divertida estava eu.
"Sabia a frango assado! Porque ele não lavou os dentes e tem este" - abriu a boca e apontou para um molar - "a abanar!"
Ri-me perguntei-lhe se aquele seria o primeiro beijo...ou se era namorado único...que nestas idades os amores vêm e vão da mesma forma com que se acaba um pacote de pastilhas elásticas.
"Na boca é o primeiro...mas nunca fizemos...aquilo..."
Aquilo?!? Aquilo seria...exactamente o quê? Arrisquei...
"Então...aquilo o quê?"
"Aquilo que os mais velhos fazem...de se agarrarem contra a parede. nem sei se é o sexo...e não digas à minha mãe que te disse isto, mas sei que ficam uma data de tempo naquilo! Já vi a minha vizinha da frente. E isso, disse ao Rafael que não fazia. Mas ele também nem sabia o que é...coitado, não tem vizinhas malucas!"
Acenei com a cabeça...e a minha gargalhada explodia...sem que o eco se fizesse sentir... e a Sofia rematou: "Agora vou brincar ao Mata...que a minha amiga quer andar com o Rafael...mas eu comprei-lhe um chocolate e ela disse que preferia muito mais! Oh...e eu também...que agora só volto a dar beijos na boca quando no refeitório for uma comida que eu goste muito!"
Deu-me um abraço lambuzado...rasgou-se-me um sorriso de luz e do alto dos seus sete anos vividos intensamente, reproduzindo modelos que ainda nem compreendeu...fugiu acenando.
E assim segue, silencioso, o currículo oculto no pátio da escola. Até que alguém o veja. Até que alguém o entenda. Até que alguém o legisle.
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