sexta-feira, 12 de julho de 2013

A poesia

Escondida na chuva de hoje...remexi no baú das memórias e encontrei um grito de apoio que um dia teci...

Foi um apelo, foi um abraço...enviado a Mia Couto...aquando da sua Carta Aberta ao Presidente Bush... 

A carta do Mia...podem encontrá-la aqui, a minha...partilho-a agora.


"Meu caro Mia Couto

Permita que o trate assim. Afinal já nos conhecemos há muito tempo, isto é, eu a si… E através de si e dos seus livros, as suas estórias, vou revisitando a terra que um dia também foi minha, essa terra pobre, também ameaçada sem se saber porquê, talvez hoje tão ameaçada como outra terra qualquer.
Queria agradecer-lhe por ter escrito, a carta que escreveu, ao sr. Bush e sobretudo e principalmente porque o fez de forma aberta o que permitiu que eu e muitas outras pessoas a lêssemos e, assim, dela tivéssemos conhecimento. Pela minha parte, eu senti que a carta também me era dirigida, como se de alguma forma aquela guerra também dependesse da minha opinião, que não dei, de um gesto meu, que não fiz, de um movimento, que não esbocei, de uma vontade, que não exprimi.
Claro que todos nós temos consciência que não era a sua carta, nem a minha, nem muitas outras que provavelmente foram escritas e endereçadas a quem deveriam ser, que iriam impedir que esta guerra anunciada se fizesse. Claro que todos nós sabíamos que nem o Conselho de Segurança das Nações Unidas, nem a Comunidade Internacional no seu conjunto, teriam força para a evitar. Claro que todos nós, que não temos os meios tecnológicos e os altos recursos técnicos como impeditivos das relações humanas, todos nós que vemos em qualquer pessoa o nosso semelhante e não percebemos em nome de que bandeira, ideologia ou critério uma morte ou um mutilado é menos ou mais importante do que outra morte ou mutilado, todos nós, dizia eu, prevíamos assustadoramente que os exemplos de dor, sofrimento e destruição não seriam considerados como preço suficientemente alto para a travar. Mas ainda assim, e apesar de toda essa tomada de consciência, a sua carta, meu caro Mia Couto, comoveu-me.
Comoveu-me e despertou em mim esta vontade enorme de lhe responder. Pareceu-me que agora sim valia a pena gritar, juntar a minha voz a outra voz, o meu grito a outro grito.
Não vejo nela qualquer anti-americanismo primário, como agora já se diz, nem nenhum interesse escondido em defender qualquer Saddam. Não vislumbro nela quaisquer vestígios de objectivos políticos ou visibilidade pessoal, qualquer gosto por um protagonismo oportunista nem o ridículo de qualquer falsa modéstia.
O que eu vejo é o atrevimento de um povo modesto, humilde, mas com a coragem de colocar, claramente, o dedo nas feridas. É o universo de verdades que fica exposto. É a forma tão simples de destroçar o argumento bélico. É a demonstração clara da demência que se apodera dos poderes. É o carácter pedagógico de toda a mensagem.
Meu caro Mia Couto,
agora que a ONU está pelas ruas da amargura, a Comunidade Internacional consolidou a sua inoperância, de que forma é que os povos de todos os países poderão usar a sua arma de construção massiva? Agora que a lei da selva está cada vez mais legitimada como é que os povos poderão derrubar os ditadores, onde se inclui o sr. Bush, os que continuam a existir, os que teimam ainda em usar a força para se manterem nos pedestais que para si mesmos criaram?
A história mostra-nos quem nela fica e os chefes guerreiros abundam nela e enchem-nos de orgulho. Ghandi só houve um e foi assassinado.
Para mim ainda resta uma hipótese, só uma. Deixo-a consigo porque é escritor, porque é um escritor de um país pobre, porque teve um sonho, como outro sonhador também já tivera, e através dele resolveu enfrentar o Mundo inteiro, porque me emocionou e me abriu os pulmões para gritar, por isso e porque confio em si, eu digo-lhe: a poesia! Ela tem que ser ensinada nos primeiros fôlegos de vida, com o primeiro leite materno, a partir dos primeiros bancos da escola. A todas as crianças do mundo.


Andrea Diegues" 


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