quinta-feira, 15 de novembro de 2012

TU-DO!

Chega-se a esta altura e, deste lado da chuva, iniciam-se os movimentos quase viscerais motivados pelas campanhas de Natal... Apela-se ao consumismo e cavam-se buracos de desigualdade, cada vez mais acentuada, de ansiedade, de expectativa - que normalmente termina em desilusão.

Chega-se a esta altura e, entre os pingos de chuva, oiço o esgravatar dos sonhos de cada criança, nos pequenos movimentos e nas ansiedades espalhadas pelo recreio da escola.

Hoje, subindo as escadas vinham alegremente conversando, até que por fim alguém gritou, "Já viram o folheto do Jumbo? Já chegou à minha casa...tem todas as novidades para o Natal!!!". Que não, que ainda não tinha visto, respondeu um...o outro, calou-se.

Chega-se a esta altura e o meu ouvido apura-se mais, os meus olhos brilham e abrem-se mais, a atenção redobra, torna-se afiada, acutilada, expedita. Fiquei à espera do terceiro timbre de voz, da resposta daquele que se calou. Esperei. Nada.

Até que um deles voltou à carga, recomeçou o estímulo, "não viste...? A tua mãe não trabalha lá, na peixaria?...". Novo silêncio. Renovada atenção da minha parte...

...quebrou-se a pausa e a voz soou, corajosa:

- Nem vi, nem quero ver. A minha mãe trouxe e avisou-me já...que este ano o Pai Natal está mais pobre... O meu pai está desempregado e ela nem consegue pagar tudo. TU-DO! Tudo é muita coisa...e eu vou pedir o quê? Se fica TUDO para pagar... eu brinco com as outras coisas e finjo que estou muito feliz. Que ontem ouvi a minha mãe chorar.

E dos meus olhos choveram gotas, com sabor a sal...

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