Calei-me durante um tempo.
Aquele tempo ao qual se confere reflexão ou observação.
Não. Não foi nada disso...aconteceu o vazio.
Silêncio.
Foi isso que existiu no tempo em que me roubei das palavras deste lado da chuva. Um imenso silêncio perturbador, triste, quase abandonado.
Deixei que a prosa se prendesse na garganta e que as poucas lágrimas que vertesse se evaporassem no calor da minha pele. A injustiça sobre as inocentes parceiras de luta, de partilha, de amizade...aglutinaram-se e as famílias sufocadas chegam a mim de braços caídos, cansadas, desiludidas, esquartejadas, feridas.
Não preciso que me justifiquem os déficit, PIB, FMI. Esses não respiram, não têm mãos e olhos e boca e chuva dos olhos que cai, de vergonha, desistindo de tudo.
"A Catarina tem uma caixinha onde guardou frango...o frango do almoço, Andrea...e depois foi repetir!", contou-me em sussurro.
A sensibilidade de quem me segredou isto, um coração de seis anos, com a clareza de quem observa algo secreto, delicado, susceptível de embaraço, foi excepcional.
Dei-lhe um beijo e pisquei-lhe o olho, um obrigada que entre nós serve como pacto e confiança, selando a confissão como única e intransmissível.
Sim...conversei com a Catarina, respeitando o seu inicial silêncio, repetindo que não haveria qualquer problema, que não estava a roubar e que eu só queria ajudar, se a ela lhe conviesse...
Servia para levar para casa...e assim "posso jantar, coordenadora, assim também já dou aos meus irmãos...".
Justifiquem-me agora os déficit, PIB, FMI...
Ficará o meu incómodo silêncio.
Ficará o meu incómodo silêncio.