segunda-feira, 11 de julho de 2016

A taça é nossa.

Não tenho só uma taça, tenho um coração. Uma alma. Esta vida. Três filhas. Dois sobrinhos. Um pai. Uma mãe. um irmão. Uma estória, uma canção, um fado, uma paixão. Um grande amor. Vários amores e amigos. Uma saudade imensa. Muitas lutas.

Um orgulho enorme em ter espinha dorsal. Em ser portuguesa. Com ou sem taça. E voto. E grito. E contesto. Mas sou nação emoção. Com todos. Com tudo.

Obrigada aos que nos elevam, aos que se fazem sangue por todos, aos que escrevem, que cantam, que jogam, que pintam, esculpem, dançam, ensinam.

Obrigada aos que choram e se emocionam. Hoje e sempre.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Abraço maior que nós.

Recebi um convite, "gostava muito que viesses cá a casa. É um jantar de amigos. Podes trazer o teu mais que tudo. É depois de amanhã", assim.

Do Twitter, para a vida real. Sair da chuva. Sem rodeios. E continuava "a Ana depois envia-te a morada por DM. Ou liga-te. Dás-me o teu número...".

A chuva parou. O coração explodiu... Pensei nas milhares de vezes que fugi de convites assim. Que ganhara eu? Sim, que com o que perdera poderia eu contar, adivinhar, saber. 

Arrisquei.

Quando abriu a porta recebi o sorriso do mundo. E um abraço maior que eu. Que ele. Que nós.

Recebi um amor puro e duas mãos expressivas. Dois olhos que transportavam estrelas, lagos e luas escondidas. Recebi silêncios de surpresa, recebi amigos, recebi filhos, recebi partilhas e estórias, recebi também comensalidade, a paixão a mil, gargalhadas. Bem estar. Recebi quase tudo.

Saí completa. Prometi voltar. E foi.

Voltei uma e outra vez e da minha casa abriram-se as portas. Da minha vida dei amor e chão que deu sonhos de sonos de final de tarde. E lágrimas de perdas e gargalhadas de vitórias ou conquistas.

E o abraço. Sempre o abraço. Pronto. Cheio. Vivo. 

No final de todo este tempo, nas contas das figas e dedos cruzados, da admiração imensa, do carinho revestido de sensações de saudade, de ajuda, de meio-meio, de caracóis numa tarde de verão, no final de tão pouco tempo, parece que te sei há uma vida inteira, sempre num abraço MAIOR que nós.

Ao Zé. 


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Da surpresa...

Ontem soube-me a muito, sim...quase como reza o poeta.

Irromperam sala dentro aos empurrões e aos gritinhos, que teria de ir lá abaixo...que a Joana estava a chorar. "E muito, digo-te já!".

Lá fui...acalmando os ânimos que isto de ser ambulância em hora de intervalo tem que se lhe diga.

Acerquei-me da garota, que já tinha enxugado as lágrimas, mas que quando me viu decidiu prolongar o "sofrimento" imenso, esgotado num drama quotidiano de um qualquer intervalo escolar.

"Oh querida...que se passou?". Encolhidos os ombros...deu-se a sequela dos abraços. Dos beijinhos.

"Estou cheia de vergonha...podemos falar noutro sítio?" - alarme, meu. Alto, se é para falar em privado...há que afastar as "comadres e compadres" que nem personagens novelescas vão rodeando a protagonista da estória.

"Muito bem, gente linda...agora vou conversar com a Joana, vão lá brincar. Obrigada!". Seguimos caminho.

"Podes trazer a Mariana, ela pode explicar melhor se eu começar a chorar". Que sim, chamei a amiga.

No gabinete, sentadas lado a lado...começaram num queixume atirando toda a responsabilidade daquele estado de alma para um grupo de três.

Uma atiçaria. Os outros ririam.

"Mas que se passou concretamente?", ia eu passando o lenço pela cara.

A Mariana, despachada, muito arisca e sempre de resposta pronta, esclareceu-me de imediato:

- Olha, Andrea, coisas parvas e mal educadas. Imagina só...que não só poderiam ficar por uma ofensa...que avançaram duas! Uma - abriu os olhos - é...que a Joana era prostituta, mas pior...é que diziam que ela é da avenida...das vinhetas mal batidas!!! 

A gargalhada que senti invadir-me o corpo foi tal...que pensei que o meu coração pararia a travá-la.

Perguntei-lhes se entendiam o que seria...já que eu não estava a perceber.

"Oh...entender não entendemos...mas quando a coisa é mal feita, mal batida, Andrea, não há-de ser coisa boa!!!".


quarta-feira, 29 de julho de 2015

O vazio de um todo.

A morte de um filho não é natural. Nunca o será...por mais que o mundo se justifique, as chuvas parem de cair, o sol arrede terras de argumentos. 

A morte de um filho é o princípio de outra dimensão. De um outro estado de alma. De sobrevivência. 

Ontem vi a mãe de um filho que partiu.

E vi nela o que vejo sempre nas mulheres cujo infortúnio é este. O vazio. O vazio de um todo.

Como se do corpo de mulher existisse NADA. Nada de vida, nada de ar, nada de sangue, nada de carne, nada de entranhas, de cheiros, de sabores. Só dor. Só vazio. Só silêncio. E água.

Trazia o corpo pendurado entre si mesmo, na sombra da mulher forte, viva, lutadora que foi. Na sombra da alegria que transbordava, do grito aberto, da gargalhada solta.

Trazia o corpo dilacerado. Os olhos inundados de gritos mudos. O peito esburacado. E água.

Ofereceu-me a água dos olhos como se de chuva se tratasse e eu deixei-me molhar num abraço. 

Aquele abraço de mães cúmplices. Aquele que por mais força que se faça, por mais dentes que se cerrem, por mais palavras que se sussurrem, não se arrepia o vazio, não se alicerça a dor, não se regressa da dimensão nova.

O imenso silêncio. 

E assim continuou...pendurada entre si mesmo, sorvendo da mágoa imensa o olhar caído, arrastando consigo um luto...o primeiro passo de uma outra vida.










quarta-feira, 22 de abril de 2015

Coração a metade...

E hoje levaram a Maria.

Traquina, melada e meiga. Levaram-na depois de muita avaliação, de muita pergunta e resposta, de muita indecisão. E hoje foi o dia escolhido. Surpreendidos que fomos com tudo. Olhem que vieram muitos para a levar. 

A Maria conversou durante toda a tarde com as "pessoas muito simpáticas da associação que ajuda todas as crianças maltratadas". Disse-me sorridente, "hoje vou embora, vou para outra associação. Durmo lá. É um sítio bom.".

E hoje levaram a Maria. A Maria é uma criança que tem sido maltratada por quem a deveria amar mais. Acarinhar mais. Preocupar mais. Proteger mais. Uns dias chorava...outros apenas se sentava no silêncio de quem lhe chove na alma.

Um dia era uma marca de punho fechado. Outra de fivela. O corpo queimado, a mão em ferida. Um dia chorava que não tinha brinquedos. Outro...que havia sido trancada num sótão escuro.

A Maria tem o sorriso mais sincero que conheço e o olhar mais triste que já vislumbrei. Conversou toda a tarde e desenrolou um novelo de milhares de lágrimas.

Chorei eu que as entranhas se retorceram perante tamanha maldade. Choraram os muitos que vieram buscá-la.

E hoje levaram a Maria mas deixaram o Pedro. O irmão que protege. O outro lado do coração. O mesmo sorriso, igual tristeza: agora mais só. Agora sem protecção.

"Pedro, a Maria vai para um sítio e queria despedir-se de ti...". Saltou da cadeira, choveram trovoadas de medos, caíram todas as lágrimas que o mundo construiu para serem choradas. Parou-se o tempo.

Levaram a Maria, deixaram o Pedro. Ele agarrado às costas da irmã. Ela a morder o lábio da saudade.
Eu a morrer um pouco. a calar-me tanto. A desmaiar de dor.

Fiquei a vê-la sair. Depois corri para o Pedro. Abracei-o, dei-lhe colo e disse que o amava. Ele sorriu um sorriso pequenino e triste, encostou a cabeça e segredou-me: A Maria também...e hoje levaram-na.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

a pausa do sonho...

"Hoje sonhei contigo..."

Gritou-se-me a alma acesa de emoções. Todo o mundo entrou em pausa... Sou o sonho sonhado de alguém com os olhos negros, a pele escura, os lábios rosados e o cabelo entrançado, cheio, arregalado. O maior sorriso do mundo sonhou-me. Sonhou-nos?...

- Comigo? Ai que bom!!! Então...mas que acontecia nesse teu sonho?

Que ia viver com ela.

- Eu ia viver contigo...ou tu é que virias viver comigo? - retida que eu estava naquela cadeira da superioridade que lhe ofereceria algo mais... A cadeira da materialização. A cadeira que limita a capacidade de ouvir. De ler. De sonhar.

"Não, tu é que vinhas viver comigo."

Envergonhei-me. Disfarcei...segui.

- E que faria então a viver em tua casa?

O abraço honesto. O carinho... "Brincavas comigo! A minha mãe ia trabalhar, como sempre. A minha irmã...ia lá à vida dela e tu brincavas comigo. A tudo! Tu gostas de brincar!!! E sabes!"

O meu abraço escondeu a felicidade de ser aceite no espaço do sonho. No desejo de ser brincadeira inteira. Na partilha do mundo ideal. O que é habitado só por crianças.

"Hoje tentas sonhar comigo?"

- Sim...hoje vou adormecer a pensar em ti.

A chuva sorriu.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Na minha Caixa de Correio, o sol.

Ontem roubaram-me aos tempos da chuva seca. Do nó na garganta. Dos momentos presos nas reflexões penosas, graves, perdidas em mim. 

Abri a caixa de correio. Daquele espaço saiu a surpresa do sorriso da Catarina, os olhos pestanudos e escuros. Saíram as escadas do Beco da Cardosa, em Alfama, as roupas no estendal, o sol a espreitar pelas arcadas. Dos amantes que roubam beijos nos recantos, do Santo António de Lisboa, do peso da vida, da subida, da inevitável descida. A urgência...a paz.

Ontem a Catarina resgatou-me do silêncio mudo. Trouxe-me até aqui.

Abri a caixa de correio e lá estava o postal prometido. Aquele que transporta o carinho que navega nas redes de quem se cruza virtualmente e cuja a imagem grita todo um mundo de estórias e segredos que não cabem em cento e quarenta caracteres. Nem em mil. Nem em longas conversas numa varanda qualquer. Nem em feiras ou em mudanças, entre colchões e sofás. Nem em posts que se partilham ou em marcas da vida que gravam a mãe.

Ontem a Kooka trouxe-me a alegria de ser eu e a vontade de a tomar nos braços, apertá-la com toda a minha verdade e segredar-lhe:

Também GOSTO MUITO DE TI.

Obrigada, menina. Tu és especial.