sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Chamou-me Pê-U-Tê-A!!!

Hoje fiz vigília no recreio...precisaram da minha mãozinha e eu, a Rainha do Pátio, como carinhosamente me apelidam, lá fui... Apesar do frio, havia um banco mesmo colocado ao sol, sentei-me e fiquei a deliciar-me com as brincadeiras dos miúdos - as mesmas que já foram as nossas.

A determinada altura uma menina vem a correr ter comigo:

- A Patrícia chamou-me um nome feio... chamou-me Pê-U-Tê-A!!! - Abriu os olhos e fixou-me em jeito de desafio que grita "agora-é-que-quero-ver-o-que-vais-fazer"!

- Qual Patrícia, a pequenina? - Que sim, que lhe havia chamado "aquilo" - então pede-lhe para que venha aqui ter comigo, se faz favor...

A Leonor correu pelo pátio, atravessou o campo, sempre debaixo do meu olho, e quase que trouxe a pequena Patrícia pelo ar, apesar de, ao chegar mesmo pertinho de mim, cada pé pesasse cerca de uma tonelada (isto medindo pela forma como os arrastava e ia olhando para o chão).

- Patrícia, senta-te aqui ao lado da Andrea...- disse-lhe suavemente - então, diz-me lá, o que é que aconteceu que a tua amiga chegou aqui tão triste?... 

- Não fiz nada, só lhe chamei um nome feio...

- Qual?... Um nome feio a uma amiga...? Não me parece nada bem... qual foi?

Sussurrando avançou com o famoso: pê-u-tê-a!

- Ai Patrícia...que não sei se entendi. Essa coisa de soletrarem as palavras... - Isto porque acredito que se os miúdos forem confrontados com as palavras compreendem que o seu poder é grande e os contextos merecem ser respeitados.

Corando, mas corando muito, baixou o queixo...inspirou, ganhou coragem e quase que engoliu a voz, de tanta vergonha:

- Chamei....puta...

Fiz uma pausa, esperei que levantasse os olhos, segurei-lhe na mão e perguntei-lhe se ela sabia o que queria dizer. "Não!...Mas sei que é uma palavra muito feia...", que chamou só uma vez e apenas porque a outra a havia irritado à frente de todos.

- Oh Andrea - interrompeu a Leonor, e com um trejeito de orgulho - eu sei o que quer dizer... 

- Ai sim? Conta lá, então...- a Patrícia endireitou-se no banco e fixou a amiga.

- Puta, quer dizer prostituta!!!

- Hum...e o que é prostituta?

- É uma senhora que anda na rua e recebe dinheiro de homens para ir com eles a sítios onde eles não gostam de ir sozinhos! 

A melhor definição de sempre! A melhor definição de sempre...no penúltimo dia do ano... 

Voltando-me para a Patrícia perguntei-lhe se a amiga seria aquilo, se receberia dinheiro e iria com seja com quem fosse, onde quer que fosse. Respondeu que não e que era "uma parvoíce chapada" o que lhe tinha chamado, pedindo-lhe desculpa logo a seguir.

Afastaram-se de mãos dadas aos saltinhos. Uma com a honra limpa, outra orgulhosa por ter aprendido algo realmente importante.

E eu ali fiquei, ao sol, refrescada pela definição daquele meio palmo de gente.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

À menina dos pés frios...

Hoje esteve muito frio...

Pode ter sido deste lado da chuva, apenas..., mas senti-o de forma tão intensa que viajei no tempo e me recordei de um episódio vivido num contexto escolar, ainda era eu aluna do ensino superior e traçava os primeiros passos neste desafio que é a Educação. Deixo-vos esse pedaço de tempo, essa delícia roubada do baú do esquecimento, esta reflexão triste.

"
À menina dos pés frios…

Retive o meu olhar em baixo…não sei por quanto tempo assim estive fazendo força para não chorar, não terá sido muito é certo, mas foi o suficiente para ouvir dentro de mim o grito da incompreensão, aquele que arde, que faz o coração bater mais forte e retira a força de um corpo. Esse.
Tinha saído da sala à procura já nem sei de quê e, a caminho de algum sítio da escola, passei na entrada. Uma miúda, de uns oito anitos, batia com os nós dos dedos na porta envidraçada pedindo para entrar, “tenho frio”, dizia. Estava muito frio, falo daquelas manhãs em que, quem muito cedo tem de sair de casa, encontra o carro coberto de uma fina camada de gelo. Aquela criança ali parada, com os pés sem meias, de sandálias calçadas, espreitava por entre o vidro embaciado pela sua respiração, a azáfama característica de uma escola grande e solicitava que a abrigassem. Retive o passo… e esqueci o que ia fazer, o meu primeiro impulso seria abrir a porta, mas é claro que se escrevo este texto, é porque algo foi diferente, algo confrontou a minha ideia de Escola como porto de abrigo, casa de humanização, com gente e sentimento, Escola de mão aberta para dar, receber, acolher. Algo me fez sentir vergonha de ali estar naquele momento.
 “Tu só entras à uma, são onze e meia…”, falou a voz de quem por direito guarda a entrada, uma mulher grande, de cachecol enrolado à volta do pescoço para que pareça que não o tem, em completo contraste com o frágil corpo da menina. Olhei-a... enquanto ela aplicava a sua sentença, “não podes entrar, põe-te ao sol, logo aqueces!”, rodou a cabeça e continuou a vigia.
E eu ali estive a ver a miúda dos pés frios, a afastar-se rumo ao pátio meio iluminado pelo sol de Inverno. Baixei os olhos, tranquei os lábios e fiz força para não chorar.
Ainda hoje não me lembro porque ali passei, o que ia fazer, porque não estava dentro da sala de aula. Ainda hoje procuro desviar o olhar da menina dos pés frios, ainda hoje interrogo a decisão da mulher grande.
Hoje, penso ser importante encarar aquele momento e reflectir, não para ficar agarrada a considerações nostálgicas do que foi ou do que poderia ter sido, mas para poder fazer a leitura necessária, utilizando a neutralidade que só uma visão temporal nos pode dar. Em todo o caso, só através dela poderemos conhecer melhor o presente e quem sabe, participar num futuro diferente, um futuro sem vergonha ou lágrimas, com crianças de pés e alma aquecidos pela compreensão das pessoas grandes, como eu."
 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Não gosto do Natal

"Eu não gosto do Natal!"


E gelou-se a sala.

Mudo ficou quem de direito, continuando a mexer nas suas coisas...até que voltou a declarar:

- É sobre isso que vou escrever o meu texto livre... sobre o Natal..., como não gosto nada do Natal!

Arrisquei a pergunta que todos quereriam fazer, "Mas porquê? De que não gostas tu?" - apoiando os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos, em jeito de quem está verdadeiramente interessada na explicação do pequenote.

Os olhos dele perderam o brilho e com a carita meio encostada ao peito suspirou que não gostava de prendas, gostava de brinquedos, mas de ser ele a comprá-los... "agora aquilo que recebo..., foi assim que descobri que o Pai Natal não existia. Porque professora, todos pedimos as mesmas coisas e só alguns é que as ganham... o Pai Natal não fazia uma coisa destas, não é?"... e continuou, fitando os outros, dizendo-lhes que gostava era das renas... que elas voavam que era um espectáculo!

E abateu-se sobre mim o peso da responsabilidade da gestão da fantasia...e da realidade. Aquela criança não acredita no Pai Natal, mas acredita em renas voadoras? Não gosta do Natal...porque não gosta de receber presentes, já que estes, consigo adivinhar, não deverão corresponder em NADA às expectativas dele, mas serão reflexo das reduzidas possibilidades económicas dos pais. Mais...o conceito de época natalícia que este miúdo domina, está reduzido a uma pobre troca de prendas. Não se pronunciou à partilha com a família, ao aconchego daquela noite, às brincadeiras com primos e primas...não. Isso nem deverá existir. E essa será a maior tristeza de todas. Que em boa verdade, deste lado da chuva, o que recordo das noites de consoada, não são os presentes da meia-noite, nem sei se teria muitos ou poucos, mas sim os momentos em que todos nos reuníamos, em que a lareira deitava um fogo mais vivo, em que existia um brilho diferente no olhar de cada um, em que podíamos brincar todos juntos, em que valores fundamentais como o respeito, a compaixão, a tolerância, a solidariedade, eram vividos, sentidos, revelados.

"Tu gostas das renas?" - perguntei a medo... que sim, que sabia o nome de todas! Que a rena Rudolfo era a mais especial, já que trazia luz na ponta do nariz...e guiava o trenó pela noite fora. Os outros riram-se e alguns atreveram-se a dizer que isso não existia. Virou-se para mim, questionando-me com o olhar...
"Pois eu acredito que tudo isto existe...acredito porque sei que o importante é que alguém acredite e mantenha a fantasia viva. Quanto aos presentes...não sei se são importantes...que eu nem me lembro do que recebi quando era criança...mas lembro-me muito bem de uma noite de Natal ter visto um rasto vermelho no céu... e quase jurar que tinha visto um trenó! Isso lembro-me bem!"... 

Sorriram... o pequeno abriu o caderno e começou a escrever...

 "Sou um menino diferente. Eu não gosto do Natal...mas gosto muito das renas."


P.S. - Não sei se existe o Natal ideal, mas acredito que o verdadeiro Natal possa ser aquele que cada um de nós decida criar como reflexo dos seus valores, desejos e tradições. Mantenhamos assim o Natal como a força interior que simplifica a vida até ao infinito e que, num turbilhão de emoções, impulsiona novos sonhos, novas conquistas, uma sociedade mais íntegra, mais humana, mais feliz.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Não fazemos todos coisas bem...

Há momentos deste lado da chuva que são puro deleite! Quer porque o calor humano faz um brilharete, a vida ganha novos contornos e se descomplica até ao infinito, quer pela capacidade de estar atenta no momento certo, aproveitando cada vírgula, pausa, respiração, pensamento ou frase, que se ergue entre mãos sujas de brilhantes crianças.

Hoje, entre a elaboração de um exercício sobre eixos de simetria e a leitura de números por classes e ordens (sim...ninguém se lembrará disto...mas a ganilhada  tem de sabê-lo na ponta da língua!), uma miúda beijou outra no pescoço em jeito de agradecimento por uma pequena ajuda. Acrescentou: "és uma fofa!" - ao que a outra replicou que fufa não era...até namorava o Artur que andava noutra escola e logo se prontificou a retirar um bilhetinho que ele lhe enviara pelo Miguel. 

Parou tudo... fez-se um enorme silêncio e eu remeti-me à postura de quem não está a ver o que se passa, nem sonha, nem ouviu nada...

A menina agradecida, a Rita, nem sabia o que lhe estava a acontecer, nem sequer adivinhava porque teria ela que ler as promessas de amor endereçadas à outra, a Joana. Esta, por fim... mais velhinha, mais malandra, já dominava claramente o calão e, por isso, necessitava de limpar a sua consciência que "quem não sente, não é filho de boa gente!" - disse-o esfregando o nariz.

O resto..., bem o resto estava a observar atentamente, até porque nunca se haviam metidos em tal embrulhada, quase em jeito novelístico, a roçar o melodrama - apesar de se sentirem mergulhados na total ignorância...que havia palavreado que não entendiam, de todo!

Saiu-lhe do bolso a jura de amor, e os olhos da maioria brilhou, encheu-se a sala de rubor e o orgulho de Joana fazia-la sentir-se importante - ainda que a história da ofensa tivesse passado para segundo plano, ou que a Rita já nem se lembrasse da diferença entre os vocábulos utilizados - Joana era a rapariga do momento! Devagar foram-se chegando perto do pequeno pedaço de papel, encardido mas com um desenho pintado a canetas de feltro...pé ante pé, soltaram risinhos e o Hugo exclamou "mas não há nenhum coração desenhado...assim não é de amor!". Zangada, ofendida, encostou no peito o seu segredo mais badalado e retorquiu: "o MEU Artur não desenha bem corações...mas eu gosto dele na mesma!". 

Estava assumido. Era o meu momento...fingi que só agora ouvira as suas vozes e que nem os teria visto levantarem-se do lugar. Perguntei-lhes que se passava, qual o motivo de tanto alarido...diz-me a pequena Rita... "Professora, a Joana tem um namorado que não sabe desenhar corações, mas não faz mal...não fazemos todos coisas bem, não é? Eu ainda não sei bem ler os números grandes...e tu gostas de mim, na mesma!" - E aquele sorriso desdentado, de quem ainda palmilha a inocência e se perde na honestidade dos dias, conseguiu segurar no seu punho a essência de todo o momento e apresentá-lo a todos como uma lição de vida.

Sim Rita, ninguém é perfeito, todos possuímos fragilidades, e eu gosto muito de ti!

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma mulher do antigamente!


É um lugar comum ouvir-se que as crianças dizem tudo o que lhes vai na alma, que são sinceras, que a verdade não escolhe máscaras. Poderá ser assim, embora por vezes sinta que algumas pessoas prefeririam que a boca de uma criança optasse por utilizar curvas em vez de rectas, de modo a que a realidade ficasse adulterada, não totalmente revelada, dissimulada. Que a dureza dos dias, não está para se sobrecarregar com ninharias que apenas farão sofrer alguns.

Eu, que trabalho com crianças - sim...que os meus verdadeiros parceiros, lado lado, são os miúdos - sei-os na sua maioria sempre prontos a opinar, a chamar o sol para a sala de aula, a confrontar tudo e todos, contra calúnias, injustiças e afins. E é isto que me apaixona nos meios palmos de gente... são mais autênticos, mais reais, mais espontâneos! Deste lado da chuva, calço sempre as meias de criança, coloco o barrete do Peter Pan... e vou sobrevoando a semana, encontrando a riqueza em cada memória.

Soltas as gargalhadas, cá vai o episódio que fez as delícias do meu dia...

Entrou o António, cumprimentou-me e disse: "não tenho TPC, professora... mas ando cá com umas dúvidas..." - respondi-lhe que já o ouvia e continuei ajudando por ali, na minha azáfama do costume, beijando quem acerta, desafiando uns e outros, distribuindo abraços, encorajando, chamando a atenção... Nisto, reparo na carita do António, boca entreaberta, olhos fixos...em mim.

"Então puto lindo, vem ao meu colo e conta-me tudo!" - correu, sentou-se, esfregou o nariz, depois sorriu e bombardeou "tu és uma mulher do antigamente, professora?!".
Gelou-se-me o sangue nas veias... "mulher do antigamente", de modo egoísta pensei por momentos em mim... estaria envelhecida? Seria a minha roupa? O meu cabelo branco que teima em espreitar?...

"De antigamente? De antigamente?.... Oh meu grande malandro..., de antigamente como?!" - tentei disfarçar que pisava terreno de manteiga ou que os meus receios me toldavam a capacidade de interpretação. 

O António, naquele jeito maroto, com cheiro de pão com manteiga, saiu-me do colo e saciou a sagaz curiosidade de todos os que ali estavam: "Sim! Se és uma mulher do antigamente....? Que o meu avô disse-me ontem à noite, quando estávamos a ver umas senhoras a dançar num video clip, que já não havia mulheres como antigamente, que eram umas senhoras... SE-NHO-RAS... devia ser de levarem nas trombas, quando faziam disparates...", e continou..."és do antigamente, não é?..."

Ora bem... levantaram-se duas questões fundamentais, que enunciarei:

1) Se não assumir que sou "do antigamente", depreenderá ele que sou uma debochada, porque sou de agora, já que é assim que ele define a diferença entre as mulheres? 

2) Se, por outro lado, assumir que sou do antigamente, serei uma martirizada dos maus tratos, mas que isso até terá sido bom, dado ter, efectivamente, feito de mim...uma SE-NHO-RA! ?

Decidi, numa fracção de segundos, passar para ele a responsabilidade da resposta, perguntando-lhe o que considerava ele... Seria eu de agora....?

"Professora, o meu avô se te visse ia dizer que tu és como do antigamente, mas as mulheres que ele fala, já são velhotas, a Dona Josefa do café ao pé de mim, coitada... Mas tu não levas porrada, pois não?..." - a verdadeira preocupação vinha ao de cima, a professora como figura respeitada que deve ser, também nunca poderia ser fisicamente violentada, nunca!
Isto, em dia Internacional pela Eliminação da Violência contra Mulheres, como diz o meu pai, caiu que nem ginjas! 

Estabeleceu-se de imediato o foco de toda a intenção educativa...apesar de uma sala de apoio ao estudo estar longe de ser o espaço ideal para o aprofundamento de questões desta natureza. Em boa verdade,  homem, mulher, masculino feminino, não são conceitos estritamente ligados às características anatómicas, nem uma questão meramente genética. Esta dicotomia assenta, fundamentalmente, nos códigos, nas informações, nos estereótipos que são fornecidos nas condicionantes socioculturais em que um indivíduo nasce e se desenvolve. 

E aqui, poderei sempre ter uma palavra a dizer. Sem levar nas trombas.



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Dois pés...

Costumo com frequência olhar para a roupa que as "minhas" crianças envergam... não por uma questão estética, de moda, de consulta de particular curiosidade, mas porque vivo paredes meias com quem sofre as agruras da vida, lutando contra a falta de recursos financeiros, onde um par de sapatos assume-se como um bem muito dispendioso.

Hoje choveu muito.

Choveu bem, desse lado da chuva e deste, pois que me dou a escritas sempre que se me chove a alma, alagando os olhos e impondo silêncio ao tempo que insiste em pesar a cada minuto.

Hoje choveu muito... e já ao final da tarde entrou na sala a Maria. Trazia com ela uma sacola, um livro e um lápis. O cabelo muito bem penteado, uma saia de peitilho, muito bem arranjada, muito cheirosa, muito bonita... mas tinha dois pés...

E nesses dois pés arrastava o frio do dia, a chuva do dia, a crise na ordem do dia...

E nesses dois pés gelava-se-lhe a vida, que a lona não aguenta o frio, que a borracha separa-se do resto, que o sorriso era o espelho da vergonha que sentia por estar assim... sussurrou-me: "Professora, tenho os pés frios... hoje preferia nem ter os pés... Ou ter só um. Dois pés... são dois sapatos bons, ou duas botas..." 

Abracei-a, toquei-lhe os tornozelos, verifiquei-lhe a temperatura da testa, voltei a abraçá-la para que pudesse assim aquecê-la no calor da minha indignação, na raiva que assomava o meu corpo, mas sobretudo, para chorar sem que ela visse.

Tens dois pés, Maria, como tens dois olhos lindos, como tens duas mãos cheias de novidades, como tens duas pernas que saltarão muros e fronteiras, como tens uma voz que serve para gritar, como tens sonhos e força e calma e amor. E ainda bem!

"Não fiques triste, professora. amanhã pode fazer sol! Os meus dois pés vão ficar mais quentes."

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Que o sangue aqui conta tão pouco...

"A família é como a varíola: tem-se quando se é criança e fica-se marcado para o resto da vida." 
( Jean-Paul Sartre )


Desde que me conheço, sei-me incluída numa estrutura basilar, aquela que sustenta valores e princípios que me norteiam, aquela que me acompanha a cada passo que dou, aquela que esgrime comigo argumentos, escolhas, caminhos, erros - a família.
Costumo dizer que hoje poderia ser o que quer que fosse, mas não seria nunca a pessoa que sou, sem a minha família. É uma marca. É um emblema. E é, indubitavelmente, a grande paixão.
Deste lado da chuva não pretendo enunciar formatos de famílias, tipos, géneros, modelos ou dinâmicas. Não quero de todo formatar ideias ou definir conceitos, não só porque isso merece uma reflexão profunda, digna de tese de doutoramento, mas porque desejo debruçar-me sobre a temática de modo leve, pouco profundo e tão aberto, que cada qual que por aqui passe, perdido em leituras, possa encontrar um pouco de si.
A família cresce no berço, desenvolve-se à mesa, no colo, nos segredos partilhados, no carinho, no amor – há toda uma sociedade nas pessoas que compõem um grupo de pertença – a família. Cada um assume o seu papel, todos o reconhecem, todos o respeitam. Mas atrevo-me, deste lado da chuva, a dizer mais. Desengane-se quem acredita que tudo depende da mãe ou do pai, apenas, ou que a família se resume a quem tem o sangue de seu sangue.
Existem bases, raízes, que se enterram chão fora até ao infinito, que quebram barreiras e se desenvolvem nas consciências e no coração, que largam saudades, que semeiam inter-ajuda, solidariedade, força, pó, suor e lágrimas. Existem raízes que ganham nomes de tios e tias, de primos, de irmãos... e essas são fortificadas pelo tempo, pelo respeito, pela ternura.
O sangue não goteja nestas raízes. O sangue não tem voz. O coração sim.
Por ele, pelo coração, pelas raízes que a minha família tece, pela capacidade de dar a mão...sou hoje mais irmã, mais tia, mais amiga.
Que o sangue vale pela sua cor.
Que o sangue aqui conta tão pouco.
À nossa!

(...à minha família linda, ao Ricardo... por tudo o que tu sabes.)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Porque a vida acontece agora.

Há questões que se tornam insidiosas, que caminham na sombra, se alojam no fundo da barriga ou do cérebro ou da alma, que vão minando os pedaços de nós, sem que nos apercebamos de imediato. Muitas vezes, sem que nos apercebamos de todo.

Recostada, neste lado da chuva, pretendo lavar a consciência quando relembro minuto a minuto do meu dia, quando releio pequenos gestos e renovo a paixão de me partilhar com fontes de sinceridade, com gente cujos olhos são pedras preciosas, com bocas de sorriso aberto, com mãos meigas. Recostada pretendo acalmar sentimentos de culpa, que de mudos passaram a sussurro, que daqui assumem o grito... 
...e há um que tem estado a ganhar espaço e peso e cor e volume... a Cláudia (chamemos-lhe assim...).

Traz a boca rasgada de tudo, os cabelos em completo desalinho, a roupa manchada com lanche...traz os sonhos marcados em cada gesto, vive os minutos como se fossem esgotar-se no segundo seguinte, não fala, grita. Quando se lhe chama a atenção os olhos ficam quase cinzentos e o sorriso esconde-se algures no escuro de si... e, de passo em passo, a Cláudia revela toda a sua fragilidade, "se não me porto bem, a mãe leva-me para um colégio, para sempre...".

Uma gota de dor, uma farpa no dia, um buraco na calma... Cláudia, adoptada, consciente da sua história, vive hoje a ansiedade de ser melhor, de ser aceite...

E aqui sigo eu, palpando caminho, pesando as horas do dia, procurando entender o que me incomoda, destrinçando a verdade da imaginação, de modo a que cada questão seja revelada do seu tamanho, pesada e tomada em braços. Porque a Cláudia assim o merece. Porque a vida acontece, agora.








quinta-feira, 3 de novembro de 2011

E rasgou-se-me a alma num banco de escola.

A primeira vez que o vi tinha ele 5 anos... franzino, de olhos muito grandes, trazia sempre a boca enfarinhada por causa do pão que comia ao pequeno-almoço. Gostava que lhe abreviasse o nome, não porque não o apreciasse, mas sim porque o considerava grande: Leonardo. - O Leo, para mim e para os amigos e as amigas. Falava muito, adorava jogar à bola e acendia a sala sempre que sorria!

O Leo estava entregue aos cuidados de uma tia, que a mãe tinha ido trabalhar para a Suiça a ver se ganhava mais dinheiro... "tostões" como ele me segredava sempre que me roubava um colo apertado, com beijinhos e festas. Os olhos enormes por vezes inundavam-se de água e afogavam o meu nó na garganta, de tal forma, que o meu coração trepava até à boca e explodia em beijos no Leonardo, prometendo-lhe muitos carinhos e atenção. Eram as saudades... essas malditas.

Um dia a mãe do Leonardo voltou e entre soluços prometeu-me que nunca mais ia para longe trabalhar, que não fazia tão mais dinheiro que se justificasse a distância do seu menino. Assim foi. Quem se afastou fui eu... que o meu caminho foi sendo traçado noutras paragens e o Leo fui vendo em visitas fugazes à sua escola.

Este ano voltei.

Hoje, bateram-me à porta e ouvi perguntar, "professora, posso entrar...venho para o apoio ao estudo...". Era o Leo, agora com dez anos... os mesmos olhos grandes, o mesmo sorriso encantador, o mesmo carinho na voz. Agora quer ser o Leonardo, coisa de rapaz crescido, agora sabe tomar conta de si.

Falámos um pouco, perguntei-lhe pelos resultados escolares, pela forma como se sentia, pela mãe... - o olhar perdeu o brilho e sussurrou-me que a mãe estava muito doente, cancro da mama... mas que ele acreditava ser possível, "não é professora? Tu acreditas como eu, não é?". Não reagi... Voltou o nó na garganta e a revolta com a situação injusta. E ele continuou o seu trabalho enquanto lhe fazia festas no cabelo e nas costas, pesando sobre mim toda a impotência do mundo, a culpa do silêncio e um remoinho de ansiedade que teimava em crescer.

Acabou o estudo e declarou: "Não te canses muito comigo professora, eu faço sempre os trabalhos e só o que não souber mesmo... é que te peço ajuda. Mas sabes, os teus beijinhos...quero-os todos os dias. Como antes, lembras-te?" - e rasgou-se-me a alma.

Lembro.

(Ao Leo e à sua linda mãe... MUITA FORÇA. Eu estarei sempre aí... desse lado da chuva.)

domingo, 30 de outubro de 2011

...a vida num copo de água...

Sei que a água é temática para múltiplas reflexões, que encerra em si qualidades que beneficiam em muito a saúde física, que assume neste canto a forma de chuva, procurando revelar verdades, ocultar segredos, soltar gritos mudos... sei que a água é vida.

E a minha vida assumiu novos contornos quando decidi, em conjunto com as minhas crianças, trazer para casa um aquário... a vida em água... literalmente.

Tudo começou na visita a uma loja especializada em aquariofilia... - a minha ideia teria que ver com um globo dos antigos, um peixe e uma latinha de alimento para o ser. Inocente que me revelaria... - saí da loja com um kit completo composto por um aquário (paralelepípedo) de 20L, uma bomba de filtragem, uma árvore de plástico (feia.... como qualquer planta de plástico pode ser), alimento, areia... e um vale para comprar peixinhos no mínimo dali a 5 dias (que a água teria de ser limpa de cloro e estabilizado o PH, antes de lá ser colocado fosse que peixe fosse). Dez minutos passados, depois de uma choradeira com direito a ranho e protestos veementes por parte da mais pequena, "que tínhamos vindo comprar peixes e que apenas levávamos aquário", abandonámos a loja. Até ao carro, choro. No carro, choro. Explicação, com linguagem gestual recorrendo a sons animados, divertidos. Continuação de choro. Um grito e tudo ficou esclarecido, entendido, seco.

Em casa atirei-me a leituras, como colocar a areia, o filtro, a árvore... o que fazer ao líquido cuja função seria a de purificar a água, os truques, as regras, a confusão... e o jantar para fazer. As reivindicações da fome, as perguntas sobre o quando será possível, os dias que faltam, os planos adiados.

Cinco dias depois... voltámos à loja munidos de um talão de desconto e saímos de lá com quatro peixes de água fria, todos diferentes, todos prontos a uma aventura num aquário, todos com um nome, todos com uma história inventada.


Dei o pontapé de saída para uma vida de gastos e desperdícios que parecem não acabar... que os castelinhos são lindos, que há vitaminas essenciais, que na volta será melhor arranjar uma pedra, que as plantas naturais são mais bonitas... que outros peixes dão muita vida... ...que cada coisa destas pinga no orçamento familiar... no entanto...deste lado da chuva deixo-me embalar no conforto, enrosco-me no meu canto e sustenho a respiração da vida num copo de água... a felicidade também está ali.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

...ele há coisas...

Diz que ele há coisas que se aprofundam na alma...e se tornam o lado obscuro do ser. Nem sei se acredite, se averigúe, se procure entender... No entanto, é verdade que sinto existirem recantos de nós que tentamos esquecer, ou esconder, recalcar, tapar, abafar. Deste lado da chuva tento, com relativa frequência, iluminar esses espaços escuros que há em mim, tomar-lhes o peso, lê-los, cheirá-los, medi-los, saber-lhes de cor o sabor - nunca os entendi ou resolvi ou, sequer, assumi... mas gosto de os deixar ali como os segredos que nem ao espelho deveriam ser pensados, quanto mais, proferidos.

E assim os assumo. Os reconheço. Os enfrento. (ou penso que faço)

Mas ele há coisas que rasgam a carne e agarram o coração com o punho fechado, sacudindo a pele e a emoção... retirando o chão e sustendo o ar - por breves minutos a morte sopra-nos nos ouvidos, cada segredo ganha vida e corre-nos nas veias, no suor, na memória. Desejamos voltar atrás, suplicamos mais um tempo, corrigimos prioridades. (sorvemos os minutos como nunca)

Nada mais é igual a ontem.

Hoje celebro o prazer da escrita e da partilha.

Que bom.


(Para a Florbela, a D. Dina e a D. Lourdes, por tanto que aprendi convosco. Obrigada)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

...Começaria pela Educação e pela Cultura

Há já algum tempo que deste lado da chuva me vou quedando em silêncio... por um lado assisto a um sem número de acrobacias governamentais que se pautam, quase sempre, pela mesma explicação vaga: a crise, por outro atiro-me com frequência para um vale de reflexão e sonho...que semeia em mim a mais muda revolta.

Ontem quebrei o silêncio...e verteram-se as fontes da alma e ergueram-se os punhos da luta e soltou-se o coração em galope - anunciou o sr. Ministro da Educação "Que para o ano se fecharão mais escolas".

E disse-o sem um brilho triste nos olhos..., aquele que se esperaria de quem ama a Escola, fazendo soar o badalo da crise financeira, nesta sociedade cada vez mais limitada, sufocada, bruta.

E disse-o sem pestanejar, como se de uma grandiosa obra se tratasse. Encerrar uma escola, pode significar construir uma prisão..., li-o algures. Mas pode igualmente lançar a incredulidade nas gentes de uma comunidade, pode abanar um contexto social inteiro, pode determinar a vida de uma criança.

E disse-o assim, sem mais nada. Enunciando os tão famigerados cortes, eleitos cegamente, sem coerência, sem sustentação.

E  o buraco no meu peito cresceu em profundidade e lembrei-me de Jean Monnet que, um dia, no fim da sua vida, afirmou: “Se tivesse de recomeçar, começaria pela Educação e pela Cultura”. É esta a grande verdade, a referência da identidade de uma nação. A Escola como centro de motivação social, como garante de qualidade de vida, como plataforma basilar na construção do indivíduo, do cidadão.

Já aqui escrevi um dia que à Escola voltaremos sempre no meio das nossas inquietações...

...Se ela ainda existir, se ela persistir.


domingo, 21 de agosto de 2011

O valor de Nada - spot ADIDAS!

Ao que se chegou...desse lado da chuva...
 
Foi lançado recentemente um spot publicitário da ADIDAS em que dois profissionais do desporto (Javi Garcia e Nelson Évora) roubam.

Pergunto-me se a crise de valores que nos assombra não deveria ser alvo de reflexão por parte das empresas de criativos, ou mesmo, se os diferentes intervenientes não poderiam ter questionado o conceito que está por trás desta publicidade. 

Quem é afinal o público alvo destes ténis, jovens delinquentes? Jovens delinquentes que pertençam ao Benfica? Jovens que, apesar de não serem delinquentes mas que tenham uma boa preparação física, os consigam roubar...? (isto porque é apetecível dado o seu conforto...)

Que princípios são estes, que intervenção se pretende, que sociedade se tenta beliscar? 

Perante a onde de violência, os saques, a globalização das revoltas, da crise, do desrespeito... este foi um mau caminho, digo eu... deste lado da chuva!


"As pessoas hoje conhecem o preço de tudo e o valor de nada."
 (Oscar Wilde)



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

ALGUÉM ME PODE EXPLICAR???

Ora, a ver se eu entendo...

...se eu colocar algo meu à venda... e a) me oferecer X, mas b) licitar o que tenho para vender por (X x 2) + (X/2)... ESTAREI A GANHAR MAIS DINHEIRO com b) ...OU NÃO?

Deste lado da chuva tenho muitas vezes sérias dificuldades em entender os negócios que se vem levando a cabo...por este governo. Alguém me pode explicar...?




quinta-feira, 21 de julho de 2011

E há dias assim...

E pronto.

Há dias assim... em que nem sei como verbalizar a alma.

Há dias assim... em que o sangue arrefece-me no corpo e fico acorrentada em mim, em que cada minuto pesa mais que o seguinte e aprisiona mais que o anterior.

Há dias ou horas ou fraguementos de tempo, assim... profundos e negros, onde se pode enterrar uma mão, um punho, o braço, o ombro... e nunca se toca o fundo da alma. E nunca se arranca o coração do peito. E nunca se descobre a dor que nos cobre. E nunca se diz a palavra certa. E nunca se encontra a ferida.

Há dias assim... de uma intemporalidade arrasadora capaz de resumir quase tudo a pedaços de mim, sem significado, sem poder, sem razão.

E há dias assim... cheios de nada.

Deste lado da chuva... encosto-me em silêncio e procuro-me no espelho do quarto. E aqui vou estar.    

terça-feira, 19 de julho de 2011

Hoje...mudei a marcha.

Hoje o mundo suspendeu a marcha... 

...escrevi a um amigo...

"Há milhares de palavras que me assaltam a alma, há centenas de sentimentos que se me explodem no peito, na boca, nos olhos... e que morrem nos sulcos que as lágrimas rompem.

Sou racional, sim... mas sou uma ilha de emoções que só vendo e acredito sempre que tudo acontece por um motivo que nos transcende, seja razoável ou não, chame-se-lhe Deus...ou outro nome qualquer.

Há milhares de frases que poderia redigir... que poderia encetar, terminar, encher de argumentos bacocos, mas em boa verdade, estou tão desolada... que a minha verticalidade, a minha inteligência, a minha contundente forma de estar, berra a pergunta que ecoa no mais íntimo eu: PORQUE É QUE ACONTECEU ISTO?"

De uma coisa tenho a certeza... desde que o mundo suspendeu a marcha que descobri que sou amada de verdade (pela minha família, de modo incondicional, apesar de não ser novo, são votos de compromisso que se reformulam). Mas acima de tudo, quero gritar para aqueles que se reconhecem nestas palavras: "desde que estou mais no twitter, ganhei um bom punhado de amigos, daqueles que se pronunciam em bicos dos pés, daqueles que provocam conforto, ainda que estejam longe, daqueles que nos gritam no peito... porque os sentimos a abraçar-nos."

Hoje a vida ganhou outra cor, hoje a marcha começa de novo, com mais força, com mais luta, com mais apoio, CONVOSCO.

Obrigada.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Uma ajuda, uma pequenina ajuda...

Creio ser uma ajuda... uma preciosa ajuda, já que vamos numa de MODA, ou de MOODY'S!
Não fui eu que redigi o texto, mas deste lado da chuva sorri quando o li e senti-me muito feliz pela inteligência da simplicidade. É a humildade dos sábios ou a sabedoria plena, na simplificação da questão.

Em boa verdade, os miúdos são sempre um recurso singelo, quem de nós se esqueceu que um dia já foi criança?

Cá vai...



"O QUE SÃO AGÊNCIAS DE RATING?


Todos os dias o Miguel, filho do dono da mercearia, rouba pastilhas elásticas ao pai para as vender aos colegas na escola. Os colegas, cujos pais só lhes dão dinheiro para uma pastilha, não resistem e começam a consumir em média cinco pastilhas diárias, pagando uma e ficando a dever quatro.
Até que um dia já todos devem bastante dinheiro ao Miguel, por isso ele conversa com o Cabeças, - alcunha do matulão lá escola, um gajo que já chumbou quatro vezes - e nomeia-o a sua agência de rating. Basicamente, cada vez que um miúdo quer ficar a dever mais uma pastilha ao Miguel, é o Cabeças que dá o aval, classificando a capacidade financeira de cada um dos putos com "A+", "A", "A-", "B"... e por aí fora.
A Ritinha já está com uma dívida muito grande e um peso na consciência ainda maior, por isso acaba por confessar aos pais que tem consumido mais pastilhas do que devia. Os pais ao perceberem que a Ritinha está endividada, estabelecem um plano de ajuda para que ela possa saldar a sua dívida, aumentando-lhe a semanada mas obrigando-a a prometer que não gasta mais enquanto não pagar a dívida contraída.
O Cabeças quando descobre isto, desce imediatamente o rating da Ritinha junto do Miguel que, por sua vez, passa a vender-lhe cada pastilha pelo dobro do preço. A Ritinha prolonga o pagamento da sua dívida e o Miguel divide o lucro daí obtido com o Cabeças que, como é o mais forte, é respeitado por todos.

"Gamado" do blog "Partilhar Diferenças""

Fica muito mais claro assim, não fica?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

E a honra, senhores... a honra?

Pois que deste lado da chuva me arrasto uma vez mais. Que a traição verbal, contextual, intelectual, ataca miseravelmente quem continua a acreditar na PALAVRA dada. Tem que ver com a HONRA... e é essa que anda perdida por aí... algures...

A nossa sociedade deixou de se guiar por princípios e valores sociais, atirou-se para os braços de farsas e controvérsias, atalhos de poder, falsidades. E cada pessoa age em conformidade com o que vê, com o que o rodeia... a mentira abre portas e irrompe pelas nossas vidas, devassando-as de forma infame. Engane-se tudo e todos. Roube-se tudo a quase todos. Como se a sociedade se transformasse num enorme palco de ilusionismo, em que o valor do bilhete cobrado, vais aumentando à medida que a magia toma forma. Esteja-se atento, muito atento... nunca se saberá quando seremos as próximas vítimas.

http://aeiou.expresso.pt/a-1-de-abril-passos-coelho-disse-que-nao-iria-cortar-subsidios-video=f658956

terça-feira, 21 de junho de 2011

ARREGALARAM-SE-ME OS OLHOS DA ALMA.... sou MULHER!

 
         Deste lado da chuva embalo-me num adormecimento orgânico, quase sonâmbulo, que vagueia entre os acontecimentos de hoje, de ontem... do passar dos dias, de quase sempre. 
Questiono quase tudo, sem que o tudo interfira de forma castradora e consiga, deste lado da chuva, manter-me atenta, crítica, sagaz, fiel aos meus princípios, ideais, valores, morais, sociais e interrelacionais. Por vezes, quiçá vencida pelo cansaço, entrego-me de forma brejeira a decisões redondas, confusas, pouco consensuais - por vezes tocando o facilitismo das percepções. Sim, que aí, desse lado, o ruído atrapalha as leituras que a memória ousa em desafiar, ou que o raciocínio instiga a usar. 

          Hoje arregalaram-se-me os olhos da alma. 

          É já ponto assente que a mulher portuguesa, à semelhança do que acontece por essa Europa fora, contribui, cada vez mais, activa e eficazmente para o sistema económico e financeiro nacional. apesar de existirem, ainda, algumas empresas que evitam, determinantemente, contratar mulheres. À parte estes raros casos, é  frequente dirigirmo-nos a hospitais, consultórios, clínicas, escolas e outras entidades públicas, hotéis, cinemas, teatros, lojas ou supermercados, e sermos atendidos, medicados, ensinados ou recebidos por mulheres. Profissionais especializadas, ou não, nos mais diversos sectores da vida activa social e laboral, desempenham eficazmente, as funções que lhes são exigidas. Já nos habituámos a ver os mais diversos lugares de grande responsabilidade como presidências de juntas ou de autarquias, cargos ministeriais, direcções de empresas ou outras, a serem ocupados pelo sector feminino. Também na vida artística e cultural, a mulher tem um papel de relevo: actrizes, pianistas, cantoras, bailarinas, escultoras, pintoras, realizadoras, escritoras, entre outras, dão, através do seu trabalho, um contributo indispensável para a criação de uma identidade cultural, que nos caracteriza como um povo, com raízes e com história.
Quanta história foi escrita sobre histórias de mulheres, de sofrimento, de abnegação, de talento, de capacidade! 

Mas é preciso não esquecer que, na grande maioria dos casos, por detrás de cada mulher, está uma mãe. E esta mãe, quantas vezes terá abdicado do bem-estar da  sua família por causa de um trabalho de última hora? De um turno? De uma investigação ou de um espectáculo? De um reunião de direcção? Ou de um outro compromisso profissional, inadiável? Pois é...

A mãe trabalhadora é, actualmente, uma mãe sofredora. Mulher multi-facetada, lutando diariamente por um sucesso profissional, que muitas vezes nem alcança, e por um sucesso familiar, com tudo o que isso implica, onde os filhos acabam por ser  vítimas da sua ausência permanente.

Tudo começa na gravidez. A futura mãe vive sob pressão e não goza os prazeres e mudanças que esta nova fase da sua vida lhe oferece. Depois temos o parto e nada foi planeado dada a escassez de tempo, e as opções, da mais diversa ordem, o tipo de parto, a maternidade, etc., ficam restringidas a hipóteses de última hora, tomadas nos intervalos das contracções e dilatações, entre uma alegria e uma angústia, entre o medo e a expectativa. 

Após quatro meses de convívio e carinho materno, o bebé vê-se privado da sua progenitora e sente-a partilhada com outro alguém, invisível, constante, que a esgota e o priva da sua presença. E esta mãe vai ultrapassando obstáculos, vivendo o dia a dia, ano após ano, trocando o seu filho da Creche para o Jardim de infância, daqui para a Escola, inventa actividades e espaços para lá “depositar” a criança, de modo a que esta esteja ocupada, enquanto ela trabalha. À noite mal se vêem, ou se tocam, ou abraçam ou se beijam. E os carinhos passam a fazer parte de um tempo longínquo que já não volta...

De tempos a tempos, a mulher, mãe, olha para trás e vê tudo o que perdeu. Vê um jovem que não conhece, a quem privou da sua existência, e mais longe a criança, perdida no colo de uma educadora ou ama, de um avô, mas não no seu.
O homem de amanhã seria tão mais equilibrado, física, psíquica e emocionalmente, se hoje pudesse crescer junto da sua mãe! A sociedade em que vivemos, apesar de reconhecer que os seus filhos beneficiariam em ter as mães perto deles, contínua a não dar resposta a esta questão, limitando-se a arranjar pobres soluções, quando atribui como Licença de Maternidade quatro/cinco meses  de dispensa de trabalho.

Bem vistas as coisas, a mulher é de tal forma importante, de tal forma indispensável, que a própria sociedade prefere sacrificar os seus filhos, a abdicar da sua actividade produtiva.

 Grande MULHER!!!





segunda-feira, 30 de maio de 2011

Anúncio de Oferta de Emprego

Descrição da Empresa:
Quer trabalhar no seu próprio negócio, em colégio novo e de sucesso, na Amadora?
Estamos a recrutar
Perfil do Candidato:
Para integrarem o nosso quadro de pessoal no próximo ano lectivo e que, em simultâneo, detenham uma participação no capital social da empresa.
Investimento mínimo de 100.000,00 euros.




























































































































































Não sei se entendi bem... Ora, na minha busca por emprego na área em que me licenciei (EDUCAÇÃO), encontrei este anúncio... absolutamente atingível por qualquer desempregado/a...

Na volta também eu preciso de uma enxadazinha, não? (mas sem o toque do PPC...por favor...)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

...e chegámos até aqui...


 



"O mundo é perigoso não por causa daqueles que fazem o mal,
mas por causa daqueles que vêem e deixam o mal ser feito." (Albert Einstein)



  Deste lado da chuva começo a reparar a guerra do meu tempo, a guerra do nosso tempo, não está para acabar. Era isso o que eu vos queria dizer, desta vez. Compreendo agora melhor os contornos que a envolvem e os efeitos que a globalizam. Talvez se tenha tornado na síntese da grande conflitualidade que atravessa o Planeta, em todas as direcções. Talvez acabe por ser a Mundialização que se não deseja. 

A verdade é que já nada se circunscreve apenas ao conflito armado e muito menos ao limite do teatro de operações. Hoje as guerras, todas as guerras, correm o risco de serem totais e colocarem em crise não só os valores humanos mas as grandes contradições que para o bem ou para o mal aproximam ou afastam os homens. 

E será fundamental nunca esquecer que o homem construiu o mundo, que nós vamos todos os dias reconstruindo, assente em conhecimento e relações que alimentamos e desenvolvemos. No entanto, conforme Wittgenstein  “mesmo depois de serem respondidas todas as questões científicas possíveis, os problemas da vida permanecem completamente intactos”. Por isso é que as atitudes ganham tanta importância, por isso é que sem as alterarmos nenhuma mudança será produzida, por isso é que o acto educativo se torna fundamental e por isso, ainda, é preciso voltar à Escola. 

E quando se desenvolvem acontecimentos como os que assistimos esta semana (o vídeo que revela uma jovem a ser agredida por outras duas, perante uma vasta assistência), a temática EDUCAÇÃO corre na alma de toda a gente, vive em cada conversa, mora no quotidiano. E é à Escola que se vem pedir justificações, é para a Escola que as atenções se viram. 
 
De facto, em boa verdade, em todos os bancos de Escola há uma consciência por despertar, uma realidade por atingir, uma sociedade comum. A esses bancos há que levar a dimensão planetária das verdades, encarando a de todos não como absoluta mas como possível, respeitando a individualidade de cada um e abrindo as portas à solidariedade e à tolerância.

À Escola voltaremos sempre, no meio das nossas inquietações. É lá que as soluções terão que ser encontradas. É a referência de mudança positiva a que as sociedades recorrem quando as crises ameaçam colapsos sociais. A Escola aparece assim como a esperança do recomeço, a única que poderá apontar e garantir as condições de sobrevivência de uma sociedade assente em valores de tolerância, de solidariedade e de democracia. Não bastará nunca consumir teorias, aos profissionais de educação caberá o dever de se manterem actualizados sobre o mundo que os rodeia e construir uma visão crítica dos problemas com que a sociedade se confronta.

 Dos grandes aos pequenos conflitos, da identidade cultural à globalização, das grandes inquietações sobre a qualidade do ambiente ao fosso das relações Norte-Sul, de nada servirá conhecer os riscos se não aprendermos a estabelecer relações claras com os outros, relações de respeito, que ajudem a desmantelar mitos e apontem para um desenvolvimento equilibrado e justo. 

Infelizmente alguns equívocos têm conduzido países ou regiões a destacar contradições ideológicas, radicalizando posições e desenvolvendo políticas desastrosas que atingem globalmente todas as sociedades.  Tenta-se, agora, controlar a violência. No entanto, este controle “complica-se até ao infinito, as suas formas manifestam-se em toda a sua diversidade e instabilidade. Entres os bandos de marginais e os exércitos dos Estados, as estruturas intermédias e mutáveis proliferam”[1]. E, no entanto, estas situações são tão mais graves quanto todos nós sabemos como isso poderia ser evitado. Desde o conjunto das Nações a vozes que bradaram no deserto, muitos foram os que condenaram e divulgaram a desgraça anunciada. Olhe-se agora para as crianças, vejam-se agora os nossos jovens. 

Não pretendo apontar soluções, nem de todo colocar o dedo em feridas abertas... pretendo antes sensibilizar esse lado da chuva, expor algumas das minhas reflexões, acordar diferentes consciências.
 


[1]DEFARGES, Philippe Moreau – A mundialização: o fim das fronteiras?, 1997,  p.132