Há questões que se tornam insidiosas, que caminham na sombra, se alojam no fundo da barriga ou do cérebro ou da alma, que vão minando os pedaços de nós, sem que nos apercebamos de imediato. Muitas vezes, sem que nos apercebamos de todo.
Recostada, neste lado da chuva, pretendo lavar a consciência quando relembro minuto a minuto do meu dia, quando releio pequenos gestos e renovo a paixão de me partilhar com fontes de sinceridade, com gente cujos olhos são pedras preciosas, com bocas de sorriso aberto, com mãos meigas. Recostada pretendo acalmar sentimentos de culpa, que de mudos passaram a sussurro, que daqui assumem o grito...
...e há um que tem estado a ganhar espaço e peso e cor e volume... a Cláudia (chamemos-lhe assim...).
Traz a boca rasgada de tudo, os cabelos em completo desalinho, a roupa manchada com lanche...traz os sonhos marcados em cada gesto, vive os minutos como se fossem esgotar-se no segundo seguinte, não fala, grita. Quando se lhe chama a atenção os olhos ficam quase cinzentos e o sorriso esconde-se algures no escuro de si... e, de passo em passo, a Cláudia revela toda a sua fragilidade, "se não me porto bem, a mãe leva-me para um colégio, para sempre...".
Uma gota de dor, uma farpa no dia, um buraco na calma... Cláudia, adoptada, consciente da sua história, vive hoje a ansiedade de ser melhor, de ser aceite...
E aqui sigo eu, palpando caminho, pesando as horas do dia, procurando entender o que me incomoda, destrinçando a verdade da imaginação, de modo a que cada questão seja revelada do seu tamanho, pesada e tomada em braços. Porque a Cláudia assim o merece. Porque a vida acontece, agora.
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