Foi um apelo, foi um abraço...enviado a Mia Couto...aquando da sua Carta Aberta ao Presidente Bush...
A carta do Mia...podem encontrá-la aqui, a minha...partilho-a agora.
"Meu caro Mia Couto
Permita que o trate assim. Afinal já
nos conhecemos há muito tempo, isto é, eu a si… E através de si e dos seus
livros, as suas estórias, vou revisitando a terra que um dia também foi minha,
essa terra pobre, também ameaçada sem se saber porquê, talvez hoje tão ameaçada
como outra terra qualquer.
Queria agradecer-lhe por ter escrito,
a carta que escreveu, ao sr. Bush e sobretudo e principalmente porque o fez de
forma aberta o que permitiu que eu e muitas outras pessoas a lêssemos e, assim,
dela tivéssemos conhecimento. Pela minha parte, eu senti que a carta também me
era dirigida, como se de alguma forma aquela guerra também dependesse da minha
opinião, que não dei, de um gesto meu, que não fiz, de um movimento, que não
esbocei, de uma vontade, que não exprimi.
Claro que todos nós temos consciência
que não era a sua carta, nem a minha, nem muitas outras que provavelmente foram
escritas e endereçadas a quem deveriam ser, que iriam impedir que esta guerra
anunciada se fizesse. Claro que todos nós sabíamos que nem o Conselho de
Segurança das Nações Unidas, nem a Comunidade Internacional no seu conjunto,
teriam força para a evitar. Claro que todos nós, que não temos os meios
tecnológicos e os altos recursos técnicos como impeditivos das relações
humanas, todos nós que vemos em qualquer pessoa o nosso semelhante e não
percebemos em nome de que bandeira, ideologia ou critério uma morte ou um
mutilado é menos ou mais importante do que outra morte ou mutilado, todos nós,
dizia eu, prevíamos assustadoramente que os exemplos de dor, sofrimento e
destruição não seriam considerados como preço suficientemente alto para a
travar. Mas ainda assim, e apesar de toda essa tomada de consciência, a sua
carta, meu caro Mia Couto, comoveu-me.
Comoveu-me e despertou em mim esta
vontade enorme de lhe responder. Pareceu-me que agora sim valia a pena gritar,
juntar a minha voz a outra voz, o meu grito a outro grito.
Não vejo nela qualquer
anti-americanismo primário, como agora já se diz, nem nenhum interesse escondido
em defender qualquer Saddam. Não vislumbro nela quaisquer vestígios de
objectivos políticos ou visibilidade pessoal, qualquer gosto por um
protagonismo oportunista nem o ridículo de qualquer falsa modéstia.
O que eu vejo é o atrevimento de um
povo modesto, humilde, mas com a coragem de colocar, claramente, o dedo nas
feridas. É o universo de verdades que fica exposto. É a forma tão simples de
destroçar o argumento bélico. É a demonstração clara da demência que se apodera
dos poderes. É o carácter pedagógico de toda a mensagem.
Meu caro Mia Couto,
agora que a ONU está pelas ruas da
amargura, a Comunidade Internacional consolidou a sua inoperância, de que forma
é que os povos de todos os países poderão usar a sua arma de construção
massiva? Agora que a lei da selva está cada vez mais legitimada como é que os
povos poderão derrubar os ditadores, onde se inclui o sr. Bush, os que
continuam a existir, os que teimam ainda em usar a força para se manterem nos
pedestais que para si mesmos criaram?
A história mostra-nos quem nela fica e
os chefes guerreiros abundam nela e enchem-nos de orgulho. Ghandi só houve um e
foi assassinado.
Para mim ainda resta uma hipótese, só
uma. Deixo-a consigo porque é escritor, porque é um escritor de um país pobre,
porque teve um sonho, como outro sonhador também já tivera, e através dele
resolveu enfrentar o Mundo inteiro, porque me emocionou e me abriu os pulmões
para gritar, por isso e porque confio em si, eu digo-lhe: a poesia! Ela tem que
ser ensinada nos primeiros fôlegos de vida, com o primeiro leite materno, a
partir dos primeiros bancos da escola. A todas as crianças do mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário